Em 1825 é assinado o Tratado de Paz, Amizade e Aliança entre Brasil e Portugal. Com ele, findava-se as hostilidades entre os dois países – iniciada desde a declaração da independência brasileira em 1822 – e o reconhecimento da soberania brasileira por parte de sua ex-metrópole.
Durante esse interregno das relações luso-brasileiras, surgiram em algumas colônias de Portugal certos movimentos que pretendiam se unir ao Brasil, em uma espécie de confederação. Especificamente é mostrado que esse movimento “unionista” esteve presente em Cabo Verde, Moçambique e, com mais importância, em Angola[1]

(Oscar Pereira da Silva, 1922)
Os interesses em uma união com o Brasil vinham de uma elite ligada ao tráfico de escravizados, conforme relato do governador de Angola Avelino Dias. Em caso de êxito, o tráfico deixava de ser uma questão internacional e tornava-se uma questão doméstica, contornando as pressões inglesas para coibir tais práticas [1][2]. Porém, qualquer tentativa dos “unionistas” foi por água abaixo após a assinatura do Tratado de 1825, explicitamente abordado no artigo terceiro, em que o Imperador “[…] promete não aceitar proposições de quaisquer colônias portuguesas para se reunirem ao Império do Brasil”. Mesmo assim, o comércio transatlântico perseverou por muito tempo.
Questões coloniais no século XX
No pós-Segunda Guerra, a descolonização torna-se um tema importante da nova geopolítica internacional. Tanto a ONU quanto os Estados Unidos e a União Soviética tinham especial interesse em que as então colônias conquistassem suas independências. O Brasil alinharia sua postura perante a essa questão junto ao das potências ocidentais, pois o governo brasileiro ansiava em conseguir destaque em órgãos internacionais[3], portanto, em algum momento, haveria uma defesa do colonialismo.
Em relação a Portugal, essa postura seria formalizada em 1954, com a assinatura do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, onde ambos os países discutiriam sobre temas de seus interesses. Assim, Lisboa tinha ao seu lado um país de peso defendendo a manutenção de suas ditas “províncias ultramarinas”.
Mas de forma geral, as atitudes brasileiras perante as questões coloniais eram ambíguas, apoiava a autodeterminação dos povos enquanto, na prática, não fazia muito por isso. Todavia era um dos primeiros países a reconhecer os novos Estados independentes[3][4].
Foi o que ocorreu após a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, onde o exército português depôs Marcello Caetano, sucessor de Salazar e de sua ideologia colonialista. O governo revolucionário mudaria totalmente os rumos dos interesses portugueses até então referente às colônias: os conflitos armados cessam e, entre 1974-1975, as antigas possessões ganham o direito de se autogovernar (com exceção de Macau, em um processo “lento e gradual” de transferência de controle para a China, terminado em 1999, da mesma forma que ocorreu com Hong Kong). Isso deu a Brasília a abertura para o estabelecimento de relações diplomáticas com as ex-colônias portuguesas.

(Alfredo Cunha/RTP)
Assim, Brasil o primeiro país a reconhecer a independência de Moçambique, em 25 de julho de 1975 e Angola, em 11 de novembro do mesmo ano. Isso era o resultado de uma postura da diplomacia brasileira durante o governo Geisel, que foi chamada de “pragmatismo ecumênico e responsável”. O país, sob uma ditadura militar anticomunista, reconheceu dois novos países com governos de tendências marxistas. A intenção era construir boas relações com essas novas Nações e obter vantagens.
No pós-colonialismo
Ainda que querendo mostrar boa vontade, o Brasil enfrentou um certo ceticismo por parte de Moçambique no estabelecimento de relações: isso só ocorreria em 6 de novembro de 1975, após cinco meses da intenção inicial do governo brasileiro. Porém com Angola, esse processo levaria apenas cinco dias[5].

(Eduardo Chalbert/EXPRESSO)
O que explica parte da desconfiança dos moçambicanos da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido que assumiu governo pós-independência, com relação ao Brasil, se reflete no antigo apoio que este deu a Portugal durante os 14 anos de conflito colonial[6].
Após o fim da Ditadura, já no começo dos anos 1990, as atenções brasileiras voltam-se ao Norte e ao Mercosul[7]. O cenário pós-Guerra Fria, a relação entre Brasil e o continente africano apresentou um declínio, devido a problemas políticos e econômicos que ambas as partes enfrentaram, além do esforço do governo de Fernando Henrique Cardoso em inserir o país no mundo globalizado, privilegiando as relações com as potências ocidentais[8].
Porém, é na mesma década, precisamente no ano de 1996, que as antigas colônias portuguesas, junto de sua ex-metrópole, criam a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP):
A CPLP nasceu da convergência das relações histórico-sociais em torno da manutenção de uma língua comum, tendo o Atlântico Sul como eixo facilitador. Em julho de 1996, a criação da CPLP converteu esses aspectos em torno de uma concertação política e cultural entre seus membros, cuja base passou a ser a cooperação (RIZZI, 2016, p.160).

(CPLP/Divulgação)
A África voltaria a ter enfoque durante os governos Lula (2003-2010), que teve uma “preocupação enfática em reforçar os laços de cooperação Sul-Sul” (MAPA, p.98, 2012). Assim, durante esse período, conforme Silva, A.G. (2019), citando Ferreira (2016), as embaixadas brasileiras na África foram de 18 para 30.
Os atos símbolos dessa aproximação foram as viagens de Lula para alguns países do continente africano, sendo 34 viagens realizadas pelo então presidente[9]. Nessas viagens, a comitiva de Lula contava com a presença de empresários brasileiros interessados em expandir seu negócios para novos mercados, como Petrobrás e a Odebrecht, empresas “[…] responsáveis, entre outros, pela prestação de serviços e realização de obras de infraestrutura se instalassem (ou consolidassem sua presença) em diversos países do continente, fortalecendo os seus laços com o Brasil” (MIYAMOTO, 2011 apud OLIVEIRA, 2015, p. 35).
Ainda durante o período Lula, alguns países africanos demonstraram interesse em implantar programas de combate à fome, como o caso do Fome Zero e do Bolsa Família, dentre eles Guiné-Bissau e Moçambique[10].

(EBC/Divulgação)
Já durante o governo Dilma, conforme exemplos citados por Oliveira (2015), o Brasil cooperou, dentre os países do PALOP, em: “capacitação de militares […] Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, […] e Angola” (p. 36), além de oferecer apoio à realização de eleições em Guiné-Bissau. Comprometeu-se com o auxílio da implementação do programa “Luz para Todos” em Moçambique e vendeu aviões militares Super Tucano para Angola[10].
Já com o governo Bolsonaro, as relações podem tomar rumos diferentes, como demonstrou uma certa preocupação por parte de cidadãos do PALOP, antes mesmo das eleições de 2018 em uma reportagem publicada na Deutsche Welle. Sendo um governo com um alinhamento automático com decisões dos Estados Unidos, e alinhada também com Israel, do qual busca uma aproximação.
Para uma análise da relação Brasil, governado por Bolsonaro, e suas relações com a África lusófona, uma matéria, também da Deutsche Welle.
Referências
[1] GUIZELIN, Gilberto da Silva. Província (de) um grande Partido Brasileiro, e mui pequeno o Europeu”: a repercussão da Independência do Brasil em Angola (1822-1825) in Afro-Ásia, 51 (2015), 81-106
[2] MACEDO, Tânia. Angola e Brasil: estudos comparados. 2002. Editora Arte & Ciência.
[3] SANTOS, Luiz Cláudio Machado dos. As Relações Brasil-Portugal: Do Tratado de Amizade e Consulta ao processo de descolonização lusa na África (1953-1975). 2011. UNB
[4] MANZUR, Tânia Maria P. G. A Política Independente Externa (PEI): Antecedentes, apogeu e declínio. In: Lua Nova, São Paulo, 93. p. 169-199, 2004.
[5] PINHEIRO, Letícia. “Ao vencedor, as batatas”: o reconhecimento da independência de Angola. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro nº39, janeiro-junho de 2007, p.83-120
[6] SILVA, Alexandre Pereira da. O Brasil e os 40 anos do reconhecimento de Angola in: Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Rio de Janeiro: vol. 8, no .3, setembro-dezembro, 2016, p. 471-488.
[7] RIZZI, Kamilla Raquel. Relações Brasil-PALOP: 40 anos de cooperação para o desenvolvimento no Atlântico Sul (1974/75-2015). In: Revista Brasileira de Estudos Africanos v.1, n.1, Jan./Jun. 2016 | p.143-167
[8] MAPA, Dhiego de Moura. Inserção internacional no governo Lula: o papel da política africana. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Centro de Ciências Sociais, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Rio de Janeiro, 2012.
[9] SILVA, Antonio Gislailson Delfino da. A política externa do Governo Lula com a África Lusófona: dimensão política, cooperativa, educacional e econômica in: Revista do Instituto de Ciências Humanas, vol. 15, nº 22, 2019 [10] OLIVEIRA, Guilherme Ziebell de. Política africana do Brasil: mudança entre Lula e Dilma? in: Conjuntura Austral v.6 nº29, abril/maio de 2015. p.33-45. Porto Alegre.